© Cartier-Bresson • Bruxelas, 1932
George Steiner, os cafés e a ideia de Europa
Tiago Barbosa
Ribeiro
Publicado en xaneiro de 2006 no desaparecido blog Kontratempos.
«Enquanto existirem cafetarias, a 'ideia de
Europa' terá conteúdo». É o que nos diz George Steiner em A Ideia de Europa, um ensaio
tão curto quanto essencial. A obra decorre de uma palestra do autor no Nexus
Institute da Holanda, nas vésperas de uma cimeira de intelectuais
organizada em 2004 pela então presidência holandesa da União Europeia para
debater a relevância do projecto político de integração europeia. Num
período de crise sobre ele, portanto. Cruzando arte e transcendência, cultura e
barbárie, o Iluminismo e o Holocausto, Steiner aprofunda a sua esmagadora
erudição em cinco axiomas que permitem definir a Europa e a validade do seu
ideal de civilização. Que, segundo o autor, está nessa «dualidade primordial»
que é a tentativa de negociação entre
Sócrates e Isaías, a Grécia e Jerusalém.
Steiner tem toda uma obra incontornável na
reflexividade sobre a cultura ocidental e A Ideia de Europa não constitui excepção. O seu pessimismo e
nostalgia também não. Os cafés são o
seu primeiro axioma, confortando-nos com a memória imensa de uma matriz identitária muito particular. «A Europa é feita
de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa,
aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard
passava nos
seus
passeios concentrados, aos balcões de Palermo. [¼] Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter-se-á um dos marcadores essenciais da
'ideia de Europa'». Num ambiente onde os
cigarros já foram mais livres, os cafés europeus são o espaço do poeta,
do flâneur, do revolucionário. Das madrugadas de Praga ou dos finais de
tarde em Paris. Dos debates, das disputas intelectuais, das conspirações. De
Lenine, que se encontrava com Trotsky num café de Genebra para jogarem xadrez
enquanto 1917 não chegava. Tudo isto é Europa,
uma latitude simbólica onde não se concebe integralmente o bar americano ou os pubs ingleses e
irlandeses.
O livro tem
prefácio de Durão Barroso, um homem que dificilmente poderia personificar menos o que tudo isto representa. Mas
enquanto tivermos os nossos cafés, poderemos
estar seguros de um continente que contém em si o espírito de uma civilização.
E do seu inverso. O que até talvez seja dizer o mesmo sobre duas faces de uma mesma possibilidade. Porque no tempo histórico
recente, «com a queda do marxismo
na tirania bárbara e na nulidade económica, perdeu-se um grande sonho de — como Trotsky proclamou — o homem comum seguir as
pisadas de Aristóteles e Goethe.
Liberto de uma ideologia falida, o sonho pode, e deve, ser sonhado novamente. É
porventura apenas na Europa que as fundações necessárias de literacia e o
sentido da vulnerabilidade trágica da condition humaine poderiam
constituir-se como base. É entre os filhos
frequentemente cansados, divididos e confundidos de Atenas e de Jerusalém que poderíamos regressar à convicção de
que 'a vida não reflectida' não é efectivamente
digna de ser vivida». Assim acaba
Steiner o seu último axioma. Um excelente
ponto de partida.
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